segunda-feira, junho 18, 2007

A propósito da Grande Reportagem da Sic de ontem à noite, sobre a ala de Pediatria do IPO de Lisboa, dei por mim a recordar uma das primeiras reportagens que fiz em 2004.

Chamei-lhe "Diário Infantil de Esperanças Renovadas":

Nove horas e trinta minutos, sexto piso. Saio do elevador e deparo logo com espaços coloridos. Não tenho duvidas que se acabou de entrar na ala de Pediatriado Instituto Português de Oncologia do Porto.

Ao longe, olhares curiosos observam ao pormenor. Vejo ansiedade, curiosidade, medo, vergonha e esperança entre tantos outros sentimentos contraditórios.

Ouve-se, depois de se passar, um «Olá!» tímido e nervoso. É o Ruben. Passados cinco minutos, já está na conversa como se fosse amigo de há muito. O pai, José Silva, explica que hoje, mais uma vez, o Ruben vai ter alta. “Acabou mais uma sessão de quimioterapia. Não sei quando teremos que voltar mas o importante é que, para já, vamos para casa”, diz.

Uns olhos ansiosos pela partida revelam que a alta é o momento mais esperado. Abraçar a mãe e a pequena irmã é o próximo passo. “Sim, porque aqui” – explica o pai – “ é viver um dia de cada vez. Este é, aliás, um sentimento partilhado por todos aqueles que diariamente vivem neste piso”.

O Ruben é um menino de nove anos com uma vida pela frente. Isso está patente em cada movimento que faz, em cada palavra que profere. Brincalhão, inteligente e com um cálculo mental invulgar, revela que quer continuar a estudar para um dia ser “doutor”. Para tal, frequenta todos os dias a sala de aulas do Instituto Português de Oncologia, aí continua com os seus estudos e aprende coisas novas todos os dias, sempre com esperança.

Para um futuro próximo, avizinha-se um transplante à medula, cujo doador será a irmã. O Ruben tem leucemia de alto risco.

No quarto em frente encontro a Ana sentada, lado a lado, a brincar com a mãe. Olha para mim com um sorriso maroto e travesso de um encantador olhar de seis anos.

Pergunta o que queremos. Acha-nos chatos e não nos quer deixar falar com a mãe. Mostra o brinquedo e explica que é com aquilo que está a aprender as letras e os números, com muitos sons à mistura, para ajudar. Perguntamos há quanto tempo ali está: não sabe. “Aqui o tempo passa rápido, e como de cinco em cinco dias os tratamentos acabam, vou para casa”, explica.

Foi-lhe diagnosticado um tumor maligno de órbita, aos quatro anos. Enquanto que o transplante do doador alemão não chega, os seus dias são passados ali, entre o colo da mãe, a dor dos tratamentos e a alegria de aprender todas as tardes algo de novo na sala pedagógica. “Ali aprendo, pinto, brinco e porto-me mal como os outros meninos”. Para a mãe, Paula, a esperança é o que ainda a trás ali a dar forças à Ana.

Para o Sérgio, as brincadeiras e travessuras normais a um menino de dez anos são limitadas, uma vez que uma doença genética no cérebro o impossibilita quer de andar, quer de brincar.

Em Maio de este ano, a mãe Fátima descobriu que o Sérgio tem também um tumor no pescoço. Com um sorriso estampado no rosto, continua a ver os desenhos animados, alheio a tudo o resto que se passa à sua volta. Quando lhe perguntamos se sabe o que tem, abana com a cabeça e responde, apenas, que acredita em Jesus.

Nesta ala há muito mais do que médicos, enfermeiros ou auxiliares. Aqui há voluntários da Liga Portuguesa Contra o Cancro, há membros da Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro (ACREDITAR), há uma professora e várias educadoras.

Aqui, o importante é tratar a criança com cancro e não só o cancro da criança. Para tal, Filomena Cardoso, professora do primeiro ciclo, ajuda todos os dias a que um menino saia da sala dela com um bocadinho de conhecimento a mais. Confessa que o tempo foi o seu grande mestre e a experiência de duas décadas de ensino especial, também.

O carinho pelas crianças, levou-a a concorrer ao ensino especial e a ser colocada no IPO, há já três anos. Neste tempo, muitas alegrias e tristezas correram, mas a vontade de ensinar permanece. Revela que o ensino aqui se diferencia do ensino normal, pela ausência de livros e permanência de aulas individualizadas, de acordo com a personalidade e disposição de cada menino. “Aqui não há regras, nem horários. A sala está aberta toda a tarde a cada aluno que quiser e estiver com disposição para aprender”, diz Filomena Cardoso.

São quinze horas e a sala de apoio pedagógico está repleta de meninos. «A maior dificuldade é mesmo criar uma boa disposição ao aluno quando este sabe que terá que fazer um exame complicado a qualquer momento”, explica a professora.

Dos pais, obtém a maior receptividade possível. Todos acham que com as aulas os meninos terão uma continuidade no ensino, não quebrando a sua rotina.

A Liga e a Associação Acreditar, trabalham em parceria com a constante preocupação em animar e mimar a criança, sem que esta o perceba. São inúmeras as actividades que preparam, desde saídas aos arredores do Porto, até ateliers de pintura ou de teatro.

Em cada dia no IPO do Porto é um dia diferente. Em cada dia há um sorriso a juntar-se aos demais.

Cláudia Ferreira da Silva


Lembro-me de na altura achar estar preparada para o que ia encontrar, não estava. Nunca se está. Recordo-me dos dias que se seguiram, dos pesadelos, de falar constantemente neles.
Penso em cada um dos rostos que vi, nos meninos que me abraçaram, nas mãos que se estendiam sem pedir nada em troca... E ontem dei por mim a chorar. Que será feito do Ruben, da Maria, da Ana? Tenho medo de saber.

Espero que ainda sorriam...

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